O objectivo de qualquer governo é trabalhar para a qualidade de vida das pessoas, não no imediato, mas a longo prazo. Os maiores feitos da civilização tem sido a capacidade de pensar e realizar a longo prazo, por vezes tão ou mais longo do que a vida biológica dos proprios decisores (governantes). A isto chama-se estratégia. Portugal precisa de uma estratégia, se não quiser ficar para traz. E acho que não devemos ficar para traz, não por competição pela competição, mas porque nunca nenhum paÃs atingiu a qualidade de vida sem se relacionar com os outros paÃses.
A meu ver, uma estratégia a longo prazo para Portugal deve basear-se um paradigma reformista do estado. Rejeito os modelos extremados do socialismo e do liberalismo, acreditando que o modelo ideal deve ir "beber agua" a estas duas fontes. Ao socialismo deve ir buscar as preocupações sociais, e a participação do estado no desenvolvimento do paÃs, nas áreas onde a iniciativa privada não consegue obter resultados. Ao liberalismo deve ir buscar a iniciativa privada, a concorrência e o mercado.
Identifico a direita polÃtica com o liberalismo, onde o valor mais importante é a liberdade, mas como a liberdade de cada um deve acabar onde começa a do outro, deve-se ter em conta o valor da igualdade, que identifico com a esquerda e com o socialismo. Entre estes dois valores -- igualdade e liberdade --, sou tendencialmente mais pela liberdade, pelo que me considero uma pessoa de centro-direita, mas não tão à direita que não considere o socialismo como um paradigma muito importante.
As reformas que Portugal precisa, a meu ver, são as seguintes, pela ordem lógica:
Em primeiro lugar, reforma da justiça, para que seja possÃvel legislar e fazer cumprir as leis; sem uma justiça que funcione (rapida e eficazmente) não vale a pena legislar, havendo o perigo de se ter que legislar tendo em conta que certas leis não conseguem ser impostas. Para esta reforma creio que o mais importante é a informatização total do sector, usando por exemplo ferramentas de work-flow. Tal como se fez na FCT (fundação para a ciência e tecnologia), devia-se acabar com o papel nos processos, digitalizando tudo. As provas fÃsicas deviam ir para armazens distribuÃdos pelo paÃs, e devidamente etiquetados, e manipulados informáticamente.
Em segundo lugar, reforma da máquina fiscal; dado que 57% dos rendimentos não são declarados, qualquer melhoria na recolha de impostos e no combate à evasão fiscal trará importantes receitas ao estado, para que possa investir em à reas chave (ver adiante). Para que isto funcione é preciso ter a justiça a funcionar! Mas não dá para fazer investimentos se o estado não tem dinheiro. Só para se ter uma ideia da dimensão do problema, quando no ano passado os juros das dÃvidas declaradas ao fisco foram perdoados, o estado conseguiu arrecadar apenas 10% das dÃvidas. Isso deu para tapar 1% do deficit publico. Ora, isso significa que se todas as dÃvidas declaradas (sublinho, declaradas) fossem pagas, Portugal deixaria de ter um problema com o deficit. Aliás, bastaria metade das dÃvidas... Dá que pensar, não dá?
Em terceiro lugar, reforma da educação, investindo fortemente, com o que se conseguir na reforma anterior. Esta é uma reforma a muito longo prazo. A Irlanda conseguiu arrancar para o pelotão da frente da UE começando com esta reforma. É uma reforma a longo prazo, mas que é a que mais contribui para a qualidade de vida. Não só porque individualmente uma pessoa com formação superior consegue melhores empregos, e com melhor qualidade de vida para a sua famÃlia, mas também porque isso permite colectivamente uma vantagem competitiva a nÃvel da inovação.
Em quarto lugar colocaria as outras reformas, que não são tão essenciais como as três anteriores, mas também sem as quais não se consegue obter essa qualidade de vida que se ambiciona. São elas: a baixa de impostos para o aparelho produtivo, atracção activo de investimento estrangeiro, reformas do sistema nacional da saúde, reformas da segurança social, reformas da administração pública (talvez esta seja essencial para as três mais importantes...), reforma do sistema polÃtico, etc.
Repare-se como há uma sequência lógica nas três primeiras. Contudo, creio que elas devem ser feitas em paralelo, porque senão teremos que esperar anos e anos...
O governo anterior, de Guterres, apenas conseguiu avançar significativamente na à rea da ciencia e tecnologia, porque tinha um ministro muito forte e competente nesse ministério (Mariano Gago). Mas de nada serve encher o PaÃs de doutorados, se não temos justiça, fiscalidade e educação a funcionar!
Este governo prometeu fazer muitas reformas, inclusive tem estado a fazer progressos significativos no combate a evasão fiscal. Talvez ainda seja cedo para avaliar se as coisas estão a funcionar. Mas creio que o pessoal que forma este governo deixa muito a desejar, para o projecto que Portugal precisa. Durão Barroso assustou demasiado o PaÃs com o cenário negro que pintou (com razão ou não, ainda não sei), pelo que teve imensa dificuldade em encontrar ministros com vontade e motivação para trabalhar neste contexto.
Este governo apresentou-se às urnas com um projecto de longo prazo, pelo que avaliações a curto prazo são necessáriamente injustas para a obra que se propos fazer. No fim da legislatura teremos uma ideia melhor sobre se a coisa está ou não a funcionar. Mas lamento que, apesar de Durão Barroso falar que pretende investir na educação, não se tenha visto ainda grandes investimentos. Será por causa do problema financeiro do estado, ainda não resolvido? Não sei, mas se este governo não mostrar vontade de investir em à reas chave do estado, dificilmente conseguirá convencer os Portugueses que vale a pena votar PSD nas proximas legislativas.