segunda-feira, agosto 25, 2003

Política pura

O objectivo de qualquer governo é trabalhar para a qualidade de vida das pessoas, não no imediato, mas a longo prazo. Os maiores feitos da civilização tem sido a capacidade de pensar e realizar a longo prazo, por vezes tão ou mais longo do que a vida biológica dos proprios decisores (governantes). A isto chama-se estratégia. Portugal precisa de uma estratégia, se não quiser ficar para traz. E acho que não devemos ficar para traz, não por competição pela competição, mas porque nunca nenhum país atingiu a qualidade de vida sem se relacionar com os outros países.

A meu ver, uma estratégia a longo prazo para Portugal deve basear-se um paradigma reformista do estado. Rejeito os modelos extremados do socialismo e do liberalismo, acreditando que o modelo ideal deve ir "beber agua" a estas duas fontes. Ao socialismo deve ir buscar as preocupações sociais, e a participação do estado no desenvolvimento do país, nas áreas onde a iniciativa privada não consegue obter resultados. Ao liberalismo deve ir buscar a iniciativa privada, a concorrência e o mercado.

Identifico a direita política com o liberalismo, onde o valor mais importante é a liberdade, mas como a liberdade de cada um deve acabar onde começa a do outro, deve-se ter em conta o valor da igualdade, que identifico com a esquerda e com o socialismo. Entre estes dois valores -- igualdade e liberdade --, sou tendencialmente mais pela liberdade, pelo que me considero uma pessoa de centro-direita, mas não tão à direita que não considere o socialismo como um paradigma muito importante.

As reformas que Portugal precisa, a meu ver, são as seguintes, pela ordem lógica:

Em primeiro lugar, reforma da justiça, para que seja possível legislar e fazer cumprir as leis; sem uma justiça que funcione (rapida e eficazmente) não vale a pena legislar, havendo o perigo de se ter que legislar tendo em conta que certas leis não conseguem ser impostas. Para esta reforma creio que o mais importante é a informatização total do sector, usando por exemplo ferramentas de work-flow. Tal como se fez na FCT (fundação para a ciência e tecnologia), devia-se acabar com o papel nos processos, digitalizando tudo. As provas físicas deviam ir para armazens distribuídos pelo país, e devidamente etiquetados, e manipulados informáticamente.

Em segundo lugar, reforma da máquina fiscal; dado que 57% dos rendimentos não são declarados, qualquer melhoria na recolha de impostos e no combate à evasão fiscal trará importantes receitas ao estado, para que possa investir em à reas chave (ver adiante). Para que isto funcione é preciso ter a justiça a funcionar! Mas não dá para fazer investimentos se o estado não tem dinheiro. Só para se ter uma ideia da dimensão do problema, quando no ano passado os juros das dívidas declaradas ao fisco foram perdoados, o estado conseguiu arrecadar apenas 10% das dívidas. Isso deu para tapar 1% do deficit publico. Ora, isso significa que se todas as dívidas declaradas (sublinho, declaradas) fossem pagas, Portugal deixaria de ter um problema com o deficit. Aliás, bastaria metade das dívidas... Dá que pensar, não dá?

Em terceiro lugar, reforma da educação, investindo fortemente, com o que se conseguir na reforma anterior. Esta é uma reforma a muito longo prazo. A Irlanda conseguiu arrancar para o pelotão da frente da UE começando com esta reforma. É uma reforma a longo prazo, mas que é a que mais contribui para a qualidade de vida. Não só porque individualmente uma pessoa com formação superior consegue melhores empregos, e com melhor qualidade de vida para a sua família, mas também porque isso permite colectivamente uma vantagem competitiva a nível da inovação.

Em quarto lugar colocaria as outras reformas, que não são tão essenciais como as três anteriores, mas também sem as quais não se consegue obter essa qualidade de vida que se ambiciona. São elas: a baixa de impostos para o aparelho produtivo, atracção activo de investimento estrangeiro, reformas do sistema nacional da saúde, reformas da segurança social, reformas da administração pública (talvez esta seja essencial para as três mais importantes...), reforma do sistema político, etc.

Repare-se como há uma sequência lógica nas três primeiras. Contudo, creio que elas devem ser feitas em paralelo, porque senão teremos que esperar anos e anos...

O governo anterior, de Guterres, apenas conseguiu avançar significativamente na à rea da ciencia e tecnologia, porque tinha um ministro muito forte e competente nesse ministério (Mariano Gago). Mas de nada serve encher o País de doutorados, se não temos justiça, fiscalidade e educação a funcionar!

Este governo prometeu fazer muitas reformas, inclusive tem estado a fazer progressos significativos no combate a evasão fiscal. Talvez ainda seja cedo para avaliar se as coisas estão a funcionar. Mas creio que o pessoal que forma este governo deixa muito a desejar, para o projecto que Portugal precisa. Durão Barroso assustou demasiado o País com o cenário negro que pintou (com razão ou não, ainda não sei), pelo que teve imensa dificuldade em encontrar ministros com vontade e motivação para trabalhar neste contexto.

Este governo apresentou-se às urnas com um projecto de longo prazo, pelo que avaliações a curto prazo são necessáriamente injustas para a obra que se propos fazer. No fim da legislatura teremos uma ideia melhor sobre se a coisa está ou não a funcionar. Mas lamento que, apesar de Durão Barroso falar que pretende investir na educação, não se tenha visto ainda grandes investimentos. Será por causa do problema financeiro do estado, ainda não resolvido? Não sei, mas se este governo não mostrar vontade de investir em à reas chave do estado, dificilmente conseguirá convencer os Portugueses que vale a pena votar PSD nas proximas legislativas.

Inauguração

Esta entrada marca a inauguração do meu blog. Ao que parece, o ultimo hype da net são os blogs. Confesso que normalmente resisto um bocado a dar atenção a hypes, mesmo quando não os conheco, podem até ser algo de interessante. Creio que uma das coisas que me motivou para criar um blog foi o do José Pacheco Pereira, chamado "abrupto". Achei incrível como ele é capaz de escrever tanto com tanta frequência...

Qual é a ideia de criar um blog? Será só criar um por criar? Também, admito. Mas também me ocorre outras coisas para ir pondo aqui: frequentemente me ocorrem ideias que me dão algum gozo pensar, daí que talvez seja interessante publica-las aqui, não as deixando morrer na espuma dos dias.

Hoje é domingo, dia de Marcelo Rebelo de Sousa no Jornal Nacional da TVI. Costumo ouvi-lo sempre, com mais ou menos atenção. De hoje, o que me ficou na memória foi a análise do discurso de reentree do PS, com o discurso longo, cansado, bota-abaixo do Ferro Rodrigues, e as argoladas da (ex?)embaixadora Ana Gomes.

Nunca gostei do Ferro Rodrigues. Quando ministro do Guterres sempre tive a imagem de uma pessoa honesta, séria, mas na verdade isso sempre foi a imagem que a comunicação social passou dele. Não me recordo de o ouvir em entrevista nessa altura. Depois da saída (desistência?) de Guterres, e após o PS andar um bocado baralhado (desesperado?), falou-se primeiro de Jaime Gama, mas depois acabou por ser o Ferro Rodrigues a suceder a Guterres. Sublinho, suceder. E acho que quem conhece política, e estando Portugal numa democracia, suceder significa tentar continuar o trabalho de um antecessor, mas a uma fasquia abaixo (se assim não fosse, não era sucessor, mas sim antecessor, passo a confusão). Ferro Rodrigues tentou continuar o trabalho de Guterres, mas a um nível abaixo, em dois aspectos: no que respeita ao combate político, Ferro não tem a classe e subtileza de Guterres, pelo que tem sempre atacado o Durão Barroso de uma forma demasiado irritada e emocional, roçando o ataque pessoal (Guterres tinha por hábito ser muito cordial nas relações pessoais, mas atacar de uma forma feroz as políticas); e no que respeita o projecto político, dificil seria, sendo sucessor de Guterres, propor um projecto alternatico a Guterres, pelo que a única coisa que foi capaz de propor na campanha eleitoral foi a continuação de Guterres, de que naquela altura o País estava farto.

Mas Ferro Rodrigues, apesar de nunca o ter confessado claramente, apresenta-se sempre com um ar cansado, agastado. O que será que lhe vai na alma? Ele é o lider do PS, pelo que está amarrado, crucificado, ao papel de uma pessoa energica, com garra, um lider. No entanto isso não cola lá muito bem com aquilo que ele transmite corporalmente, pelas expressões faciais por exemplo. Alguns musculos da cara têm a curiosa propriedade de reagirem directamente ao estado emocional da pessoa, e não são (facilmente) controlados voluntariamente. Por outro lado, o nosso inconsciente reage directamente às expressões faciais das pessoas que vemos. Há uma comunicação subliminar quando ocorre contacto visual entre duas pessoas, que não se passa ao nível do consciente. E o que se sente de Ferro Rodrigues é que ele não está lá muito motivado para o papel de lider do PS. Estas reflexões pareceram-me muito mais claras quando li a transcrição na Visão de uma conversa telefónica entre Ferro e António Costa, a serem verdade. E o que li nas entrelinhas, no discurso subliminar, ao nível do que o inconsciente de Ferro quer exprimir, é que ser lider do PS está a ser um calvário para Ferro Rodrigues. Ele usa esse termo, calvário, para descrever o que ele tem sentido ao percorrer o país, tentando fazer passar a sua mensagem (enfadonha, quem tem paciência para o ouvir?), em que os media teimam em falar do caso de pedofilia. Mas o que eu extraí dessas palavras é que, ao nível do inconsciente, ele esta cansado e farto de ser lider. Ele sente-se obrigado a fazer este papel de lider, pela sua carreira politica. Mas no seu intimo, acredito que ele queira fazer outra coisa qualquer. Mas como ele é uma pessoa solidária com o PS, e como o PS náo dispôe de alternativa a Ferro, a esta distância das proximas eleições legislativas, ele vai levando o barco, carregando a cruz, até que o clima político mude, e se torne relevante o PS ter um lider a altura de um partido de poder, alternativo ao PSD, que mais legislatura, menos legislatura, mais ano menos ano, vai entrar em decadência, e irá ter que ser substituido. O meu medo é que tenha que ser substituido por um partido ao nível que está o PS nestes dias...

Sobre Ana Gomes, não tenho muito a dizer. Na altura em que Timor ocupava as 24h dos noticiarios (deixavam de fazer jornalismo, e começaram a fazer política activa, ainda que por uma boa causa!), os media passaram a imagem que muito devíamos a Ana Gomes. Não conheci as suas acções ao pormenor de perceber porquê, mas admito que a imagem corresponda ao seu valor como embaixadora. Quando uma pessoa é excelente num cargo, dificilmente será igualmente boa (ou melhor) noutro cargo, excepto se for na mesma linha. Ser militante do PS náo está na mesma linha, pelo que, apesar das suas qualidades, só se podia esperar uma Ana Gomes ao nível de uma militante comum, sem grande brio. O problema é que o PS não percebeu isso, e pretendeu usa-la com base na boa imagem que ela tinha. Mas ela tinha boa imagem como embaixadora, náo como política! Isto explica, a meu ver, como a actuação dela como política tem sido muito sofrivel. Nesta semana ela levantou uma polémica completamente dispensável, desconhecendo a posição do PS em anteriores momentos. Lembrei-me da argolada de José Lamego (do PS), quando veio fazer uma conferência de imprensa, sobre Timor, tendo sido logo após violentamente desmentido por, alas, a propria Ana Gomes. Mas nessa altura Ana Gomes ainda não era militante do PS...