Entretanto, o queixoso é chamado pela advogada, voltando à sala com um sorriso meio-disfarçado na cara. Minutos depois, uma funcionária judicial veio anunciar o resultado: o queixoso tinha desistido do processo.
Neste momento eu ainda não tinha percebido que esse homem meio-sorridente era nem mais nem menos quem, há 7 anos atrás, tinha visto chegar ao pé de mim, a sangrar dos braços e a deitar-se no chão, após ter sido agredido por um pescador, enquanto andava de biciclera. Foi em Belém, perto da ponte, que avistei ao longe esta irreal cena de agressão por parte de um pescador, usando um suporte de cana de pesca.
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No retorno da Campus da Justiça para a estação de metro, encontro uma Almedina. Não resisto, obviamente, a entrar. Trouxe, em jeito de compensação pela hora perdida, um livro de contos de Lispector e um livro de ensaios de Kundera. Ao folhear este último encontro duas pérolas, com as quais encerro este post. (Como é bom reencontrar Kundera, após tanto tempo de ter lido A Insustentável Leveza do Ser.)
Quando Deus abandonava lentamente o lugar de onde tinha dirigido o universo e a sua ordem de valores, separado o bem do mal e dado um sentido a todas as coisas, Dom Quixote saiu de casa e já não estava em condições de reconhecer o mundo. Este, na ausência do Juiz supremo, apareceu subitamente com uma terrível ambiguidade; a única verdade divina decompôs-se em centenas de verdades relativas que os homens partilham entre si. Assim, o mundo dos tempos modernos nasceu e o romance, na sua imagem e modelo, nasceu com ele.[...]O homem deseja um mundo em que o bem e o mal sejam nitidamente discerníveis, porque nele há o desejo, inato e indomável, de julgar antes de compreender. Sobre este desejo são fundadas as religiões e as ideologias. Estas não se podem conciliar com o romance a não ser que traduzam a linguagem de relatividade e de ambiguidade dele para o seu discurso apodítico e dogmático.
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